Foram dois dias de intensa programação reunindo de um lado um público jovem, atento e ávido por informação e novidades. De outro, uma gama de especialistas de renome nacional abordando a pecuária de corte como solução à crise. Em pauta, assuntos que envolvem o cenário macroeconômico da bovinocultura de corte brasileira, novos mercados para carne bovina, seus desafios institucionais atrelados à gestão e perspectivas para a produção de corte.
Este foi o cenário da XI edição da Jornada Nespro, encerrada ontem (27), em Porto Alegre. Organizada pelo Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro) em parceria com a Associação Brasileira de Hereford e Braford e outras entidades, a atividade trouxe um consenso: a pecuária gaúcha precisa urgentemente galgar o seu espaço junto ao mercado mais exigente.
Conforme o coordenador da Nespro, Prof. Dr. Júlio Barcellos, o Rio Grande do Sul tem perdido grandes oportunidades no mercado elitizado. “Consumidores exigem produtos sofisticados e pagam por isto, mas o pecuarista precisa se organizar e compreender o consumidor e o perfil de gado que está sendo requisitado”.
Uma das razões para a perda de espaço é a falta de inovação e o egocentrismo do pecuarista gaúcho, que segue produzindo carne para si mesmo, deixando de observar o mercado nacional e a voracidade do consumidor por carne de qualidade e garantia de procedência.
“A população está muito mais sensível ao manuseio do animal e a produção sustentável da carne. Hoje 95% das pessoas querem comer carne com procedência, no entanto 99% do total produzido não é”, destacou o professor da UFGRS Dr. Antônio Domingos Padula, muito aclamado pelos presentes com relação ao conteúdo abordado na Jornada.
Segundo ele, existe um mercado de consumidores em busca de sofisticação. “Gente educada com muito dinheiro no bolso”, definiu Padula, ao emendar: “Mas não se enganem, base produtiva insuficiente não atinge mercado sofisticado”.
O professor da Faculdade de Administração da UFRGS também trouxe diversos exemplos e fez comparativos com a indústria automobilística. “Cerca de 80% da compra é definida pelo design do carro, vejam que a indústria automobilística usa apenas um sentido e consegue produzir esta quantidade absurda de veículos. Imaginem a pecuária que pode trabalhar com diversos sentidos sensoriais”.
Ele também explorou a questão do marketing ao trazer o case do batom Lancôme com vitamina E, hoje comercializado no mundo a 150 euros. “60% deste valor é marketing. Basta vocês circularem por aí para ver ele estampado em cartazes e banner com a Gisele Bündchen”. A Coca Cola também não ficou de fora dos seus exemplos. Segundo ele, 70% do valor do produto também é investido em publicidade. “Produto sofisticado exige investimento mercadológico”.
Selo ambiental
Na tarde de ontem, outros dois especialistas roubaram a atenção do público presente. O primeiro deles foi o professor Claudio Favarini Ruviaro, da Universidade Federal da Grande Dourados, em Dourados (MS). Ele trouxe à tona a viabilidade econômica da produção pecuária sustentável e os novos nichos de mercado, que tendem a se ampliar com o consumo de cortes especiais. Conforme ele, o Brasil já é um exemplo para o mundo de como produzir de forma sustentável, garantindo um produto de qualidade e com escala capaz de suprir qualquer mercado consumidor do mundo. “Hoje temos um diferencial para conquistar mercados internacionais”.
Ponto de partida é o final da cadeia
O médico veterinário Roberto Grecellé, do SEBRAE, encerrou a jornada falando sobre a revolução que os pecuaristas têm feito no Oeste brasileiro, deixando o Rio Grande do Sul para trás neste desenvolvimento. “Tivemos melhorias por aqui, mas os indicadores evoluíram sobre uma base muito frágil”, destacou.
Grecellé também arrancou burburinhos ao destacar a visão “Glocal” da pecuária, uma referência à junção da visão global com ação estritamente local, e afirmar que o todo sistema pecuário culmina em um único produto: o bife que estará no nosso prato.
“Estamos produzindo carne para quem?”, provocou ele?, ao destacar que nada adianta termos a melhor picanha se ela não sair de Bagé, ou de Uruguaiana, por exemplo, onde o nosso consumidor potencial não tem alcance. “O Rio Grande do Sul precisa posicionar a carne para vender ao consumidor sofisticado. Entender que estamos falando de nicho de mercado e não ingrediente”.
Alertou que além de trabalhar conceitos como maciez, sabor e suculência, estamos perdendo tempo e dinheiro ao não explorar a origem, a sustentabilidade, a educação e a tradição do produto. “A nossa carne não deve ser melhor, nem pior. Deve explorar sofisticação, beleza cênica, aroma único, gosto do campo, consciência, cultura e felicidade. Deve ser exclusiva e com alma”.
A 12ª edição da Jornada Nespro foi anunciada e será realizada nos dias 26, 27 e 28 de setembro.
Por Tatiana Feldens, reg. Prof. 13654
Fotos: NESPRO/UFRGS
Ascom ABHB