Bovinocultura de Corte: o que vem pela frente?

Artigo originalmente publicado no Anuário Hereford e Braford 2019

Por Júlio O. J. Barcellos¹ & Tamara E. de Oliveira²

¹Prof. Titular do Departamento de Zootecnia – UFRGS. Coordenador do NESPro. Ex-presidente do Conselho Técnico da Associação Brasileira de Hereford e Braford.

² Pesquisadora na área de Agronegócios do NESPro – Pós-doutoranda  CAPES/PNPD – CEPAN/UFRGS

 

Contexto: A bovinocultura de corte, particularmente dentro da porteira, onde o pecuarista tem sua autoridade, segmento da cadeia produtiva da carne bovina, é dependente direta dos fenômenos comportamentais do consumidor e de todos os elementos que possam influenciá-los. Assim, existem forças contrárias que apontam para uma parcela significativa da população diminuindo o consumo de carne bovina e outra, ainda majoritária, que faz uma transição do consumo da carne exclusivamente como um alimento, para uma vivência ou experiências de consumi-la por outras razões. Neste sentido, é crível afirmar que parte da carne bovina será consumida exclusivamente em pautas ou momentos especiais, relacionados com a onda “gourmetizada”. Para isto, o produtor exercerá um papel fundamental na sua fazenda, pois os principais requisitos do consumidor não podem ser construídos além dos elementos relacionados com as raças bovinas, com a alimentação, práticas amigáveis de manejo com os animais, seus cuidados sanitários e com a preservação dos recursos naturais. Tudo isso dentro de uma perspectiva da sustentabilidade econômica da atividade, pois este é seu negócio, e do abrigo institucional frente às leis e regras que lhe subordinam. Portanto, a capacidade de fazer bem feito, comunicar e certificar aquilo que é dito, serão os grandes direcionadores das percepções da sociedade sobre a pecuária, para a carne bovina e obviamente para esse setor do agronegócio. 

O presente: A premissa inicial desta abordagem é para marcar uma diferença essencial entre carne commodity e a carne com especificação de conformidade. A carne como commodity, pauta de um comércio internacional de 7 milhões de toneladas, é a que determina o preço do boi. Nisso o Brasil é campeão, tem boa produtividade e custos muito competitivos em qualquer mercado, por essa razão é o principal exportador mundial. Para atender este mercado, basta cumprir com requisitos sanitários de cada país importador e ter preço competitivo. Assim, afirma-se – estamos habilitados para exportar para a China – por exemplo. Este é o grande mercado, porém muito subordinado às leis da oferta e da procura. Elementos como intempéries climáticas nas principais regiões produtoras, eventos sanitários nos rebanhos, crises nos mercados financeiros e variação no poder aquisitivo dos consumidores têm uma relação direta com o preço da “commodity carne bovina” e do boi gordo. Por outro lado, a carne com especificação de características que lhe asseguram uma certa exclusividade ou atendem expectativas de consumidores mais especializados, é menos vulnerável aos eventos anteriormente apresentados. Aqui, a imagem do produto e de sua produção tem outro valor. Não é a febre suína africana, síndrome da vaca louca, corona vírus, seca, mau humor dos mercados ou empobrecimento do consumidor que irá alterar o comportamento de quem compra algo por prazer. Portanto, apontar para cada uma das estratégias exige posturas e atitudes muito diferentes, além de, obviamente, produzir resultados às elevadas expectativas do consumidor. Não adianta “berrar” que a “nossa carne” é superior, melhor, diferenciada, se não houver provas asseguradas por uma terceira parte, por alguém independente. Ela tem que entregar o que promete, mas não como um teste de probabilidade se o consumidor encontrou o que procurava, mas sempre deve receber o que espera, por meio de garantias insuspeitas. Assim, o pecuarista deve avaliar bem qual o caminho a seguir e, a partir da escolha, planejar adequadamente a viabilidade de sua decisão. Neste caminho, tem-se observado, apenas no Brasil, aproximadamente 150 marcas de carne bovina, todas propondo vantagens, entregas e satisfações exclusivas. Então, já podemos afirmar que a diferença de hoje será a igualdade do amanhã. No que diz respeito as ações das Associações de Raças, preceito intrínseco para expandir a criação de gado de base genética definida, um olhar nessa direção da carne exclusiva tem sido a prática nos últimos anos. Programas consolidados e outros ainda em fase muito primária, apontam para um elemento crucial, a falta de uma comunicação simétrica entre todos os agentes envolvidos, a vulnerabilidade das relações com a indústria frigorífica e uma rotulagem específica que oriente o consumidor sobre o que ele está comprando. Assim, apontar como uma alternativa para o pecuarista, independente da raça que esteja criando, via um programa de carnes com marca, pressupõem atitudes muito mais abrangentes e profissionais, fato pouco observado atualmente, mas que pode, por meio do conhecimento acumulado avançar de forma rápida e sustentável.  

O futuro: Estima-se que nos próximos 30 anos, 20% da população tenha hábitos alimentares veganos, o que impactará toda a cadeia de carnes no mundo e em especial a da carne bovina. Pensar e agir com inteligência estratégica será necessário. Isso passará por uma reconstrução de imagem, de esclarecimento, com informações científicas, por exemplo, sobre os baixos valores das emissões de gases na produção a pasto, os benefícios da carne vermelha para o consumidor e, a pauta deste manuscrito, produzir gado sob protocolos, e finalmente cumprir com o prometido para este novo consumidor, jovem, muito mais exigente e com poder aquisitivo suficiente. Além disso, será fundamental fazer uma ligação dos protocolos de produção com objetivos globais de preservação da flora e fauna das regiões, um criador de gado deverá ser o guarda ambiental na sua fazenda. Associado a isto, demonstrar à sociedade que, frente as dificuldades de mercado, este pecuarista precisará de uma compensação, seja por um comércio justo, serviços ambientais ou pela preservação de saberes e culturas de uma região. Portanto, se não for nesta direção, a outra opção será vender commodity, que também pode ser gado de raça, e nesse caso, novamente a eficiência tecnológica, a produtividade, baixo custo de produção, serão as pautas. A comunicação do futuro não poderá ser a utilizada atualmente, as redes sociais mais interativas e a resposta de cada consumidor sobre o que comprou tomará proporções enormes e cada dia que o pecuarista entrega a carne e diz, está é especial, será julgado. Portanto, as associações de raças, precisarão fazer um upgrade em suas abordagens e avançar ao que é chamado de moderno e que não será dizer, mas construir, entregar e garantir. 

Uma opinião – Emitir uma opinião sobre algo intangível que muitas vezes é a expectativa de um cenário futuro incerto e, agora, voltado para o pecuarista, é um desafio para qualquer um de nós. Mas o compromisso que temos em analisar com responsabilidade o que vem acontecendo é um dever. Por essa razão, é importante destacar que a padronização dos rebanhos, por meio dos princípios criados desde a origem das raças, tem sido um desafio de todos. Contudo, pensando numa pecuária mais profissionalizada, desafiadora, exigente, com aumento de renda ao pecuarista, exige uma quebra de um paradigma que ainda persiste. Cada associação de raça precisa expandir seu universo genético, pois ora ainda é entre “nós” – apenas aqueles que criam a mesma raça. O surgimento das raças cruzadas “sintéticas” trouxe grandes contribuições à pecuária nacional, permitiu desmistificar o conceito de sofá-cama. Como resultado, os conhecimentos sobre cruzamentos e heterose foram parcialmente esquecidos, pois a visão da raça pura sobrepujou. Será necessário um diálogo com os diferentes, que criam rebanhos gerais, outras raças, para alinhar estratégias comuns. O que vem pela frente não será descobrir a melhor raça, mas como construir um projeto de longo prazo, alinhado com esse novo consumidor que já descrevemos, para entregar uma carne bovina que atenda e entregue tudo que vem sendo e será prometido.  Não devemos esquecer que aqui também chega carne de outros países, com marca, para disputar nosso mercado. Assim, pensamos que podemos ter a melhor carne do mundo, mas que para isso, o avanço será nos processos produtivos, independente de qual a raça escolhida. Por outro lado, sempre o setor de insumos e de serviços estará mais bem preparado para capturar os ganhos a jusante da cadeia e, para evitar isto, o pecuarista obrigatoriamente deverá ser um novo tipo de gerente, deverá olhar para seus recursos e torna-los menos dependentes de fatores que entram na sua porteira, para que aproprie margens e renda tão necessários à sua sobrevivência.

Foto: Gabriel Olivera / Agência El Campo

Ascom ABHB

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